Carne
- Como estás? - Bem, Pai. Um pouco cansado com nova rotina. Casa, filhos e trabalho. Ainda nos estamos a adaptar. - A tua mãe... - Sim, não está bem. Nunca a vi assim. - Dá-lhe algum tempo. Resiliência em doses hercúleas, como sabes. - Se eu na Sexta não for convosco, importas-te? - Não, Tomás. Mas a tua mãe não vai gostar. - Odeio funerais, sabes bem. Entendo perfeitamente que para algumas pessoas seja a forma mais natural de lidar com o luto. Preenche-se o vazio, em conjunto. Entendo tudo isso, mas só consigo sentir nojo. - Nojo? - Sim. É a única altura em que não consigo pensar na pessoa enquanto pessoa, mas sim num bocado de carne que, lentamente, vai apodrecendo à nossa frente. Nunca chorei. - Tens pensamentos concretos, nessas situações? - Futilidades, na maioria das vezes. Se está calor, no conforto do banco, se o cheiro da pessoa ao lado me está a incomodar... Já pensei em sexo também. Gosto de observar as pessoas que me rodeia